07 setembro 2008

I Am Mine

Ah, tô revoltada. Tem uns cartazes pela cidade divulgando uma passeata pró-vida que vai rolar aqui em Brasília. A frase de efeito deles é "Se queremos a vida, porque legalizar a morte", ou algo do tipo. Aquela coisa bem apelativa pra atingir a sementinha plantada no subconsciente de todos pela doutrinação e superstição subliminares cristãs existentes nesta metade aqui do planeta. Aquela sementinha bem difícil de remover, não importando o quanto se tente.

Toda vez que eu vejo o diabo do cartaz eu me arrependo de ter esquecido o canetão em casa.

Me revolta o fato da sociedade apoiar que o estado deve ter controle sobre o que as mulheres fazem com o próprio corpo. O MEU corpo. EU mando, não aquela corja engravatada que nem sabe quem eu sou.

A maioria das pessoas no Brasil é contra o aborto. Será que elas se questionam sobre o por quê? Será que essa opinião foi concebida de forma autônoma, ou será que é tida como dogma? Ou será que o assunto tá tão longe da realidade da maioria das pessoas que elas nunca param pra pensar sobre as questões envolvidas? Dizem que o que os olhos não vêem o coração não sente. Pois no Brasil as mulheres nunca tiveram acesso à liberdade que é poder escolher continuar ou interromper uma gravidez indesejada. Então elas não sabem como seria ter tal acesso, e conformam-se com a presente situação. Isso é tão típico do universo humano. Conformismo. Aquela coisa não-tá-perfeito-assim-mas-tá-bom-então-deixa.

Existe um estigma da mulher que emprenha sem querer. Ela dá horrores, bêbada, sem camisinha e puft, se fodeu. Bem feito, quem mandou?

Quem mandou nascer com útero numa sociedade que julga usando como base moldes injustos e machistas? Uma sociedade onde se você for homem e virar as costas para uma gravidez de sua responsabilidade, você pode simplesmente continuar sua vida como se nada tivesse acontecido; se você for mulher e quiser fazer a mesma coisa você é julgada, estigmatizada, corre risco de vida e ainda pode ser presa.

O estado por acaso dá às mulheres condições de criar filho aqui neste país? Mesmo dentro da classe média é difícil. Finalmente, depois de muito bafafá desnecessário, passaram a lei da extensão da licença maternidade. Mas como nada é simples por aqui, peraí, não é bem assim. Tenho uma amiga amada cujo novo bichinho faz 1 mês nesta semana. Ela terá apenas 4 meses de licença porque é uma burocracia dos infernos conseguir o diabo da extensão. A cidade tem que implementar a lei primeiro, e pasmem, Brasília ainda não o fez. Se uma empresa muito legal estiver a fim de contemplar suas funcionárias com os dois meses a mais antes da implementação, terá que tirar do próprio bolso e aguardar futuro reembolso do governo. Depois de trezentos quilos de papelada e mais uns 300 anos, imagino.

Fora isso ainda trabalhamos demais por dinheiro de menos - especialmente por sermos mulheres. Ainda ganhamos menos, e muitas vezes somos as únicas provedoras. Tanto pai picareta que cai fora por aí. Aí somos obrigadas a matricular nossos filhos em sofríveis escolas públicas porque o mesmo governo que não nos dá o direito de viver dignamente e nem de escolher se queremos mesmo criar filho igualmente indignamente não supre a população com a coisa mais básica do universo, que é educação. E o bichinho ainda vai crescer (cheio de traumas gerados por criação vinda de mãe despreparada) e vai ser obrigado a se matar pra competir com mais um zilhão de candidatos pra entrar naquela bosta que é a UnB ou qualquer outra ainda pior. Isso falando da classe média. Não tenho cacife pra falar sobre a infelicidade que deve ser criar um filho em situação de pobreza. Não ouso nem tentar imaginar.

Aqui um mapa das legislações de aborto no mundo. Engraçado como em países desenvolvidos o aborto é legalizado sem restrições, e as legislações vão apertando até sumir à medida em que entramos nos países mais pobres. Será que existe alguma relação entre o bem-estar socioeconômico de uma população e controle de natalidade do mesmo?

Eu penso que no nosso país o problema é de ordem religiosa. O povo é contra porque teme a deus. Aborto é assassinato no imaginário popular; existe um conceito místico que defende que zigoto é gente.

Não ter direito a acesso a aborto seguro fode com a vida de milhares de mulheres. Os números são horripilantes: dêem uma olhada. É hipocrisia manter o aborto ilegal. As mulheres o fazem de qualquer jeito, estando dentro da lei ou não. O problema é que fazê-lo fora de lei implica risco de saúde e de vida à mulher. Contradição no sloganzinho "Se queremos a vida porque legalizar a morte". A morte e a dor já estão legalizadas, com apoio da comunidade e tudo mais.

Tá tendo agora em nosso país debate - e tomadas de decisão favoráveis, espero - sobre se mulher gestando bebê anencéfalo tem o direito de abortar. Ora, o bebê anencéfalo morre. Pode até viver poucos dias, se é que se pode chamar aquilo de viver, e logo morre. Não tem jeito. E a mulher que carrega um bichinho infeliz desses, hoje em nosso país, é obrigada a levar a gravidez até o fim, parir, e assistir o bichinho sofrer uns dias e morrer. Super humano.

Eu acabei de ver este trailer, do filme "O Aborto dos Outros", recém parido por uma tal de Carla Gallo:

Agradeço à Sra. Gallo pela coragem e iniciativa. Mal posso esperar pra ver o filme e o impacto do mesmo em nossa comunidade. Tomara que gere muito debate.

É ótimo que o assunto, há tempos dormente, esteja em pauta neste momento em nosso país. Mas vou ser bem sincera com vocês: duvido que desta vez o negócio mude. As pessoas ainda não digerem a questão de forma aberta, sem intervenções dos antigos tabus enraizados na nossa cultura. Se houvesse referendo hoje, não passa. Mas o assunto estar presente já é um começo. Quem sabe isso faça com que as pessoas pensem por si.

--------------------------------

Se um dia você precisar de ajuda, acesse:
http://www.womenonwaves.org/
http://www.womenonweb.org/

2 comentários:

Ila Marinho disse...

Eu tentei ler,juro,mas tá tarde e meus olhinhos estão ardendo.Desculpa.

Ila Marinho disse...

Hoje eu li (:
As pessoas me lincham quando eu digo que não sou contra o aborto.

Free Blog Counter