21 julho 2008

Ex's, suicide attempts and murder



Em "A Ignorância", de Milan Kundera:

"Assombrada, ela olhava seu amor desfeito, o pedaço mais belo de sua vida, que se afastava, lentamente e para sempre; não existia nada para ela senão aquele passado, era com aquele passado que ela queria se mostrar, com ele que queria falar e enviar sinais. O futuro não a interessava; ela desejava a eternidade; a eternidade é o tempo que parou, que se imobilizou; o futuro torna a eternidade impossível; ela desejava aniquilar o futuro.
Mas como morrer no meio de uma multidão de estudantes, num pequeno hotel de montanha, sempre na frente de todos? Ela descobriu como: sair do hotel, ir para longe, muito longe, no meio da natureza e, em algum lugar distante das trilhas, deitar-se na neve e dormir. A morte viria no meio do sono, a morte pelo gelo, a morte doce, sem dor. Seria preciso enfrentar um momento de frio. Ela podia aliás, abreviá-lo com a ajuda de alguns comprimidos de sonífero. Num tubo que encontrou em casa pegou cinco, não mais do que isso, para que a mãe não desconfiasse de nada.
Planejou sua morte com todo seu espírito prático. Sair de tarde e morrer de noite, foi essa sua primeira idéia, mas abandonou-a: perceberiam imediatamente sua ausência na sala durante o jantar e decerto mais ainda no dormitório; ela não teria tempo de morrer. Astuta, escolheu o momento em que depois do almoço todo mundo fazia a sesta antes de ir esquiar: uma pausa durante a qual sua ausência não preocupará ninguém.
Ela não via a gritante desproporção entre a insignificância da causa e a enormidade do ato? Não sabia que seu projeto era um exagero? Sim, mas era precisamente o exagero que a atraía. Ela não queria ser razoável. Não queria se comportar de uma maneira comedida. Ela não queria comedimento, não queria raciocínio. Admirava sua paixão, sabendo que a paixão, por definição, é exagero. Embriagada, ela não queria sair da embriaguez."

A personagem Milada quis se matar por amor, e quis fazê-lo fora do alcance do olho alheio. Sou da opinião de que quem quer se matar de verdade o faz deste modo: discretamente. Quem o tenta de modo contrário quer chamar atenção - que também não deixa de ser um certo tipo de expressão de sofrimento. Porém bem menos nobre. É o tipo de sofrimento encontrado em uma criança mimada quando lhe é negado algo em loja de brinquedo. Um sofrimento egoísta e irracional natural em crianças e execrável em adultos, que já passaram por processo de aculturamento.

Digo isso porque, quando em São Paulo, recebemos um telefonema da ex-sogra de meu namorado. "Hoje a encontrei no chão da cozinha, chorando com uma faca na mão", dizia. Pobre mãe - e não digo isso com sarcasmo. E meses depois, a garota do chão da cozinha tomara comprimidos. Recém-saída do hospital - após agradável lavagem estomacal, imagino - liga para a ex-cunhada, para que anunciasse o seguinte recado a meu namorado: "Tentei me matar mais uma vez por você".
Oras, matar-se não é difícil. Quem quer mesmo normalmente consegue.

Essa garota nos perseguiu durante mais de ano. Além das ameaças de suicídio, mandava SMS, ligava, mantinha contato com a família, mentia a terceiros dizendo que estavam reatando, and Ford knows what. E agora finalmente got a fuckin' life. Passar bem.

Ao meu redor, pessoas próximas passaram por coisas parecidas. Duas amigas também tiveram que encarar o enorme saco que é uma ex do atual psicoticamente buscar o Eterno Retorno. Sinal de que isso não é coisa incomum. Achei bizarríssimo, pois nunca havia visto na vida real. Aquela coisa Glenn em Atração Fatal, já dizia Dudu.

Recentemente uma pessoa que trabalhou onde eu hoje trabalho foi assassinada pelo ex-namorado. Muitos dos meus colegas-amigos a conheciam bem, e sofreram muito. Nem imagino a família da moça. O filho da puta a levou para jantar e insistir em voltarem. Ela disse não. Ele a levou para casa e, ali mesmo dentro do carro, em frente à quadra da moça, puxou um revólver de baixo do banco e atirou em sua cabeça. Não existem palavras para descrever a escrotidão do ato. Não irei nem tentar. Mas isso remete àquele sofrimento do qual falei antes, o tipo não-nobre. Aquele egoísta ao extremo, no qual a pessoa se vê como o único ser na face da terra (aquela coisa Vanilla Sky, já dizia Dudu), o único que tem algum direito de se expressar ou de ter sentimentos, e os outros que se fodam. Prefiro chamar isso de burrice.

Como viver em sociedade com essa filosofia imbecílica? Melhor não viver mesmo. Matem-se. Mas faça-o quieta e discretamente pra pelo menos disfarçar sua mediocridade, e não matem seu objeto de obsessão. Not everybody gives a shit about your petty causes.

"Minha conciência está limpa", disse Pol Pot.
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Aurélio:

egoísmo
[Do fr. égoïsme.]
Substantivo masculino.
1.Amor excessivo ao bem próprio, sem consideração aos interesses alheios.
2.Exclusivismo que faz o indivíduo referir tudo a si próprio (v. egocentrismo). [Antôn., nessas acepç.: altruísmo (1 e 2).]
3.Filáucia, orgulho, presunção.
4.Ét. Doutrina que considera como princípio explicativo dos preceitos morais, e como princípio diretor da conduta humana moral, o interesse individual.
5.Ét. Amor exclusivo e excessivo de si, implicado na subordinação do interesse de outrem ao seu próprio. [Cf., na acepç. 5, amor-próprio e, nas acepç. 4 e 5, abnegação (2) e altruísmo (3).]

4 comentários:

Dandalunda disse...

xô urucubaca! é isso aí... e tem mais querida quérol, vc nem imagina... eu li um livro do kundera, aquele da leveza do ser, sabe... me senti muito mal e agora nas férias aqui no rio to dando uma second chance lendo "amores risíveis"... me fala sobre ele? beijos! consuelo rocks! =*

Dandalunda disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dandalunda disse...

consuelo rocks!
suicidal ex sucks!
hauhauhauhauhauh!

Paulinha disse...

f.u.c.k.
h.e.r.

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